CRÂNIO E GAVETAS

29.5.05

30 e poucos


Trinta e poucos mas ainda com coração quase infantil. Adolescente, seria melhor. Com desejos dos dezoito e questões ainda anteriores. Alimento-me delas, na verdade, a cada dia de trabalho, em que me lembro como fui e o que me tornei. Ou ainda: em que fantasio o que fui e me equivoco quanto ao que me tornei. Porque tanta gente atravessa meus dias, e eu nem sei o que falar para quem espera algo de mim. Espera mesmo?Ou isso faz parte dos meus delírios de auto-importância que acabarão por me arruinar? Não importa, talvez.
Importa que tenho andado cansada, com vontade de trabalhar cada vez menos e tornar-me cada vez mais alguém que não sou. Uma louca que chute as portas e os móveis e se arraste delirante e apaixonada. Não a mulher responsável : a menina que nunca fui. Porque, afinal, sei que me perdi em um lugar que não sei mais qual foi, e virei isto que me angustia, porque tenho medo - de decisões, de desamparos, de morte, de tempestades. E não há o que fazer, neste feriado do Corpo de Cristo que agora termina, em que gatos desapareceram e os gritos pela rua nem sempre resultaram inúteis.

28.5.05

Gavetas

Meu crânio é cheio de gavetas. Quase todas impenetráveis ao escrutínio de outras pessoas. Às vezes impenetráveis a mim mesma. Enferrujadas ou com puxadores quebrados, permanecem meses sem que se abram,e quendo quero enfiar lá alguma idéia, ou retirar algum pensamento, é que percebo que gavetas são excelentes lugares para se guardarem roupas. Porque me confundo toda quando não há lugar para colocar o que quero, porque essa mania de classificar e separar o que sinto está me enlouquecendo, porque as coisas todas apenas são como um rio que vai e vai e vai, e não dá pra pegar um punhado de água e enfiar dentro de uma caixa. E é isso que tento fazer com tudo que está acontecendo agora.

(Aprendizados são difíceis mesmo. Tenho medo do que posso aprender : preferia saber tudo já. Mas não sei, sei que não sei, sei que açoites de consciência são necessários. Ainda assim fechada, gavetas travadas porque me custa a vida abri-las.)

Quebrar o crânio, quebrar as gavetas. Deixar os pensamentos se misturarem, colorirem-se. Pra que possam virar borboletas.
É isso. Asas.E não chaves.

Pensar

Eu penso demais.
Penso em borboletas sem asas e cascas de cigarras, em mortos e tempestades, em gatos e fantasmas. Penso no meu cachorro que morreu e em onde ele deve estar agora. Penso em quando vou morrer, e em quando os que amo vão morrer. E de pensar tanto me esqueço de viver, e fico assim, com uma pata de tigre me esmagando o peito e sem saber o que fazer neste sábado inútil, com preguiça de respirar e de fazer meu coração bater.
Aqueles dias em que tudo poderia simplesmente desaparecer. Hoje. Eu normalmente agora me deitaria para um cochilo de fim de tarde na frente da TV, assistindo aos programas tradicionalmente tacanhos do sábado, e me sentindo levíssima de sono. Mas eu me deitei, li duas páginas de um romance lindo que me foi emprestado, e não parei de pensar em finais. Final do romance, final de romances, final da vida, do trabalho, da semana. Por que agora eu sinto coisas terminando? Por que desejo que o que há de estragado em mim simplesmente se acabe e eu me transforme em algo que nunca serei? Por que insisto em querer mais do que consigo?
Porque temo, porque sou pequena, porque preciso que o universo desmorone para que eu possa iniciar. E sinto a Torre, a grande Torre, chegando, e nada sei do que é preciso para viver.
Porque só penso. Eu penso demais, já disse?E às vezes - só às vezes - tenho vontade de chorar.