CRÂNIO E GAVETAS

11.6.05

Deixar ir embora

Se chega assim, ferida, vertendo sangue no olhar, talvez seja porque falte minha boca, meu ar, as palavras que posso sussurrar em seu ouvido enquanto chora. Um peixe mesmo. E sem a água toda que expande seu peito é capaz de sufocar. Aprendo agora a deixar que chova, sem exigir sertão onde só há rios (eu quero é essa lama que gera, que cria, que toma formas estranhas de bichos e plantas e santos e flores e coisas sem razão).
Eu aprendi a amar assim: deixando ir, para que possa voltar. Um dia, quem sabe, sem sangue em palavras.
*
Cena possível para peça banal que jamais será escrita. Mas vivida, sim (porque, infelizmente, eu não sei dizer de outra forma)
"Você largaria tudo pra ir embora comigo??"
"Sim"
"Escolas, trabalho, casa, bichos, tudo?"
"Tudo"
"Moscou? Lisboa? Paris? Londres? O que você quer?"
"Que você diga que me ama. Só"
"Eu te amo"
"Eu também"
"Você é lacônica"
"Aham.Boa noite"
"Boa noite"
*
*
*
Estou feliz como não estava há séculos. Desabituar-se da alegria é bom, porque ela vem em explosões. Como agora: barulhos na cozinha que me fazem sorrir.

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